Entrevista Danielli Cavalcanti

 





1- Como iniciou seu amor pelas letras?


Na quarta série primária (sou desse tempo), a professora me pediu para recitar o poema Mãezinha querida, de Paulo Roberto, na celebração do Dia das Mães. Ela disse que eu teria que treinar em casa, mas eu iria me sair bem, porque eu gostava de ler.Como é importante ter alguém que acredite em nós, antes mesmo de nós mesmas. Nesse ano, eu morei na casa da minha avó, lá havia uma coleção de livros da literatura brasileira, eu li uma carreira de livros da estante (A moreninha, A mão e a luva, Senhora, Helena, Memórias póstumas de Brás Cuba etc) e lia jornal, revista, tudo que estava disponível na sala. Como é importante facilitar o acesso à leitura.

Ainda nessa época, havia também um programa de TV, onde um político paraibano participou de alguns episódios recitando poemas de Augusto dos Anjos, eu adora ouvir aqueles poemas “estranhos”.

Minha mãe me presenteou com papeis de cartas. Naquele ano, escrevi cartas para ela. Ainda hoje, gosto muito de escrever cartas.



2- Quais dicas você daria aos pais para que as crianças se interessem por literatura?

Ser exemplo, cultivando a leitura como uma atividade prazerosa para si mesma. Ter livros e revistas em lugares acessíveis às crianças. Falar sobre alguma passagem de um livro, criar uma ocasião pertinente, por exemplo, se leu alguma história ocorrida na praia, lembrar da história quando estiver lá. Eu sempre me lembro da Chapeuzinho Vermelho (aí, puxo para a Amarelo também), quando estamos numa floresta. Falar sobre o temperamento de algumas personagens é um exercício provocador de riso: “nossa, esse teu comportamento agora me confundiu, quase achei que fosse o Sapo Sapeka fantasiado de ti” etc.

Tentar incluir as histórias que leem na vida diária.



3- De todos os poemas que escreveu, qual o seu preferido?

Não tenho um preferido, mas tenho os que me fazem sempre chorar, como A última viagem de um menininho, sobre o menininho morto à beira mar na Turquia. Tenho os que me deixam com um sorriso nos lábios, como os poemas sobre a Língua Portuguesa (A mamãe fala portuguêsPortuguês, tu és minha língua porto, e És o som do meu viver). Mas o primeiro, que escrevi na migração (A quem não me conhece), me é muito caro pelo aprendizado proporcionado pela ocasião que o inspirou. Explico-me: numa festa do trabalho, a chefe do meu esposo me perguntou, se ele havia me escolhido de um catálogo de mulheres para casamento. Eu me senti muito mal, chorei dois dias e duas noites, depois me perguntei qual o porquê mesmo de eu estar chorando. Eu me ofendi, porque me sentia melhor que mulheres escolhidas de catálogo. Chorei mais ainda, dessa vez de vergonha. Bem, não sou melhor que ninguém, e isto é libertador. 



 4- Conte um pouco sobre sua experiência como autora. Como se sentiu ao dar o primeiro autógrafo?

Escrevi meu primeiro livro, Flor de Linz, em 2015. Portanto, não tenho tanta experiência como autora. Ele foi publicado, primeiramente, através de uma editora portuguesa, os demais são publicações autônomas.

Escrevo entre o jantar no fogão e a filha a chegar da escola ou no ônibus para a faculdade. Escrevo, quando o coração precisa de conforto e a cabeça de alívio. Escrevo para organizar meus pensamentos, entender meus sentimentos, manter minha contemplação no mundo, apesar dele. Escrevo também para provocar pensamentos, sentimentos e contemplações noutras pessoas.



Nunca dei um autógrafo. Eu me interesso mais por um abraço e desejo mútuo de saúde e realizações na vida. O que de fato acontece nas apresentações dos meus livros, além de bate papos e trocas de experiência das mais variadas e inspiradoras.

Sobre dedicatórias em livro, as escrevo com o desejo de que quem leia o livro, sinta-se instigada a contemplar o mundo e também a se indignar com ele.



5- Conte um pouco sobre os livros: "Flor de Linz", "Sopa de sapo", "Quando eu outono, tu primaveras" e "É sempre outono na migração".

Flor de Linz conta histórias ambientada num café fictício na cidade homônima, na Áustria. Em cada capítulo há uma protagonista, uma mulher migrante chamada, carinhosamente, de alguma flor. São histórias desnudas da experiência de se viver sob o manto ou entre a cerca da migração. Histórias recheadas de saudades, de sensação de pertencimento e exclusão, de resiliência, desconstruções e, sobretudo, de sonhos e de amores, pois assim é o migrar: um verbo transitivo e de ligação.



Sopa de Sapo foi, primeiramente, escrita em alemão, como uma peça de teatro infantil para a oficina de escrita do Teatro Municipal de Linz, na Áustria. A peça intitulada Das Gericht, que significa em alemão tanto “o prato” como “a corte/o tribunal”. Ela aborda o bilinguismo (Sapo Sapeka fala sapolês, Borboleta fala borboletês e ambos falam também português), as amizades, a alimentação saudável e o impacto do julgamento nas relações interpessoais e bichanas!

Há a versão longa em português, com a história dividida em 6 capítulos: o sabor da procura, o sabor da acusação, o sabor da decepção, o sabor da escuta, o sabor da surpresa, o sabor da fome e o sabor das cores. As ilustrações são de Vitória Paes e o trabalho gráfico é de Iêda Alcantara.

E há também uma versão curta, em português, alemão e dinamarquês, para crianças que começaram a se aventurar no mundo mágico literário.



Quando eu outono, tu privameras” é um livro de poesias diaspóricas, que escrevi durante os dois primeiros anos, na Dinamarca. Para o título pensei na introspeção que fazemos na migração e o florescimento mental que isto pode proporcionar. Essa também foi uma metáfora para as estações do ano nos diferentes hemisférios.



É sobre o viver em uma sociedade de migração.
É sobre a silenciosa linguagem que nos acaricia e machuca.
É sobre o desafio de nos sentirmos em casa, apesar do empenho de algumas pessoas em nos dificultar isso.
É sobre integração, que nos enfeitiça, nos transforma e nos rechaça.
É sobre superação.
É sobre esse vento migratório, que poliniza, polimiza, politiza, poetiza… e não tem muro que o retenha.



Já o “É sempre outono na migração”, também de poesias na migrância, pois o migrar me fez sobre migração e como tenho olhos latinoamericanos, escrevo sobre suas formas de resiliência, resistência, desconstrução e (in)justiça social. Este livro é composto de 26 poesias, sendo 14 inéditas e 12 publicadas no meu blog ou em antologias.




6- Qual legado literário pretende deixar aos seus filhos?

Eu só quero que minha filha seja feliz da forma dela, respeitando a si mesma, as pessoas e a natureza.



7- Quais os maiores desafios para autoras brasileiras que vivem na Europa?

Adentrar nos canais distribuição e de divulgação(feiras, eventos literários, revistas especializadas etc), ter apoio de Embaixadas para divulgar trabalhos, conseguir despertar o interesse de docentes e tradutoras/es de literatura brasileira no exterior, e de editoras locais e lusófonas.

Apesar disso ou talvez, exatamente, por isso, tecer redes de apoio, como o Mulherio das Letras na Europa, criado pela escritora Sonia Palma, inspirado no Mulherio das Letras do Brasil, e outros grupos regionais são iniciativas urgentes e necessárias, para nos apoiarmos e criarmos mecanismos de visibilidade à literatura de autoria feminina.



8- Você já participou de antologias, tem livros de poesias e também escreve para crianças. Qual será o próximo desafio?

Estou traduzindo o livro: "É sempre outono na migração", para o alemão.


9- Cite uma autora contemporânea que te inspira e o livro dela que você recomendaria aos seus leitores.

Uma só complica o meio de campo. Fiquemos com algumas brasileiras, em ordem alfabética:

Conceição Evaristo (Olhos d’água), Elisa Lucinda (A Poesia do encontro – Elisa Lucinda e Rubem Alves), Jarid Arraes (cordéiis das Heroínas Negras Brasileiras) e Maria Valéria Rezende (Outros cantos).





10- Deixe uma mensagem inspiradora para as amigas que escrevem, mas, ainda não tiveram coragem de divulgar seus textos ao mundo.

Por que não tiveram coragem? Responder honestamente para si mesma essa pergunta, talvez ajude a se libertar da busca pela perfeição ou da armadilha das comparações. Eu diria: continue escrevendo e divulgue seus escritos. Sempre haverá mesmo o que melhorar. O texto de hoje, o livro de amanhã são o que você conseguiu produzir nesse período de sua vida. Seja paciente consigo mesma, e persistente, caso a escrita lhe for algo importante. Se não for, vá fazer o que lhe aquece o coração e seja paciente e persistente.





Obrigada, Danielli, por esse bate papo incrível! Desejo muito sucesso em sua carreira.

Muito obrigada pela oportunidade.






Blog: jardimmigrante.wordpress.com

E-Mail: livroflordelinz (@) gmail (.) com

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Entrevista Carol Gaertner

Feliz Aniversário

Balbúrdias Femininas