Entrevista Carol Gaertner

 


1- Como iniciou seu amor pelas letras?

Desde criança eu amava ir às bibliotecas e às livrarias com meus pais. Lembro das minhas visitas, em especial, às Livrarias Ghignone, daqui de Curitiba do Shopping Mueller (que já fecharam as portas há tempos por sinal) e recordo, também, da roda de contações de histórias na Casa de Leitura do Bosque Alemão. Eram visitas mágicas, eu realmente sentia que acessava um outro Universo: o dos encantos com certeza. Na escola, também fui muito incentivada a escrever, a professora da quarta série do ensino fundamental, minha querida Ana Eliza Vaz (eterna "prof Ana"), realizava práticas bem lúdicas envolvendo literatura. Cada aluno tinha um "passaporte" que ela chamava "Passaporte da Leitura", nele registrávamos uma espécie de resenha de todos os livros que líamos durante o ano letivo e apresentávamos à turma (um dos livros que li na época: "O Pequeno Vampiro", de Angela Sommer-Bodenburg). Também havia o "Varal da Poesia", tratava literalmemte de um varal poético em que pendurávamos os nossos poemas preferidos pela sala de aula; (e claro!) os "Quebra-Poemas": recortes de palavras que rimavam, as quais podíamos ordenar da maneira que melhor ornasse a fim de compormos um belo poema. Tudo isso me marcou muito!


2- Quais dicas você daria aos pais para que as crianças se interessem por literatura?

O estímulo é essencial! Aconselho que os pais dos pequenos leitores os presenteiem não apenas com os "brinquedos do momento", mas com jogos educativos e terapêuticos que provoquem a curiosidade e a criatividade da criança, que mexam com a imaginação deles de forma que boas histórias sejam construídas na brincadeira, o que não pode é pesar. Meu receio é *que* a literatura vire uma obrigação (com uma conotação de "castigo") e certos livros sejam impostos às crianças ... sem que elas demonstrem interesse prévio na leitura destes. A literatura começa na oralidade sem mesmo a gente se dar conta. Por tal motivo considero que antes dos livros propriamente ditos, venham a contação de histórias e os jogos integrativos isso não sai caro. Tais jogos podem ser improvisados com sucata, recortes de palavras e imagens pertinentes em revistas - é o que costumo fazer em minhas Oficinas de Escrita e dá super certo. Diria que, nesse momento, os pais podem abusar da criatividade e também são muito sortudos pelo fato de poderem se reconectar com a própria infância e a essência deles. Grande chance não só para as crianças. Ganho coletivo!

3- O Brasil é um país de poucos leitores. Qual o legado literário que pretende deixar para seus filhos?

Um dia hei de ter a sorte de ter "pequenos notáveis" em meus braços e, com certeza, contarei um segredo a eles: "Sintam a palavra do papel" - Por mais que a tecnologia avance cada vez mais, sou uma 'novantiga' e ainda gosto de sentir o cheiro do livro, a textura das páginas, observar a forma, admirar a arte da capa... me emocionar com um autógrafo. Prefiro assim. Eu tenho um caso de amor com cada livro que leio. Não só leio, como carrego pra lá e pra cá. É "coisa de pele e de alma" ao mesmo tempo ... grifo o que me impacta, faço anotações. Isso me remete às cartas de antigamente. Acho lindo! Me assumo totalmente "romântica-retrô". É uma forma que encontrei de conversar com os autores, como se amiga íntima deles fosse - às vezes, sou mesmo (risos)... mas em outros momentos acabo me sentindo a amiga de infância daqueles que nem sequer conheço - repara só no poder incrível das letras: a gente cria fortes laços pela escrita. Por isso, acredito que, mesmo em meio a tantos dispositivos eletrônicos portáteis, "bambinos" não deixem de passear por aí na companhia dos livros físicos. Minha 'best' Clarice Lispector me lê! E só porque ela me lê, uma vez me confidenciou clandestinamente: "Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo."

4- Como se sentiu ao dar o primeiro autógrafo?

O meu primeiro autógrafo foi em um exemplar do Livro dos Novos III - Travessa dos Editores, organização da escritora Adriana Sydor, no qual participei com meu conto "O Inquilino do Fraque Azul" e posso afirmar com todas as letras que foi uma experiência única. Foi uma experiência do tipo "WOW. Sou eu mesma?" Me belisquei para verificar se não estava sonhando. Não estava. Experiência surreal e gratificante. Realização de um sonho, de uma vida. A gente realmente se sente importante, não só pelo "glamour" que implica uma noite de autógrafos, mas pela presença deliciosa de pessoas especiais na nossa estreia nas ptateleiras. Inauguração de sentidos & sentimentos. Ótimos agouros. O melhor de tudo foi autografar um exemplar para a Adriana - de quem eu sou mega fã - e ainda receber um "autógrafo-resposta" dela dizendo assim: "Carol, é uma alegria imensa poder trocar autógrafo com você, uma menina tão talentosa em tantas áreas. uma Beatriz que escreve, uma Coralina que canta, uma múltipla que advoga... mil beijos, Adriana Sydor" - receber essa mensagem carinhosa da Adri, definitivamente, não teve preço.

5- Como se sentiu ao ter o poema "Pele d'Alma" musicado?*

Quando o mineiríssimo Luiz Mello, me perguntou, em 2015, se podia musicar "Pele d'Alma" eu respondi que ele não podia... DEVIA (risos). Se não fosse a brincadeira, poderia parecer arrogância da minha parte, mas já faziam três anos que eu tinha o desejo de ouvir esse meu poema em formato de canção, mas não fazia ideia de como conseguir tal proeza. Para mim, "Pele d'Alma" nasceu para ser música, então o pedido do Luiz caiu que nem luva sobre minha poesia. Escrevi o poema em 2012, em um período bem delicado da vida. Logo, ele emergiu do mais profundo do meu ser como forma de superação às crises que eu enfrentava nessa fase - que foi barra, mas a poesia e a música foram sempre meu alento para tudo, me salvando de ficar às margens de mim mesma. As palavras vieram de forma muito natural a minha mente e já com certa sonoridade, foi uma inspiração raríssima - nunca mais escrevi algo parecido. Às vezes custo a acreditar que fui eu quem escreveu "Pele d'Alma"... foi um presente essa inspiração que não se repete, é como se fosse uma mensagem divina dos céus sussurando em meu ouvido "(c)alma, vai ficar tudo bem" ... sinto que essa poesia, agora a letra da canção "Pele", do álbum "Madeira de Carvalho" do Luiz me transcende. E ele conseguiu captar o exato âmago do poema ao compor a melodia. Sou muito grata a ele ter se sentido chamado para esse trabalho incrível, mesmo sem saber da minha vontade já antiga de musicá-lo! "Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu." [Livro dos Eclesiastes] - essa passagem bíblica ilustra bem esse episódio em minha vida e a palavra grega "kairós", também. "Kairós" para a teologia significa o tempo de Deus, o tempo propício e, na mitologia, remete à figura do deus do tempo oportuno.

6- O que as palavras "Sororidade" e "Multipersona" significam para você?

As palavras "Sororidade" e "Multipersona" para mim significam TUDO NA VIDA e são SINÔNIMOS. Porque não existe Multipersona sem Sororidade e vice-versa. A conexão significativa entre almas-irmãs. A fraternidade em sua versão feminina. Sou eu, é você, somos nós. É singular e é plural. A irmandade entre (várias) mulheres que são únicas e, ao mesmo tempo, são muitas. As múltiplas faces de guerreiras que reunidas repetem alto e em bom som, todos os dias, para si mesmas e umas para as outras: "seja a Mulher que você der conta de ser, um dia de cada vez"; "tudo bem não estar tudo bem"sou Frida e não me Khalo"; "seja a Mulher que levanta outras Mulheres"... e todas essas frases de apoio mútuo. Sororidade é só isso e tudo isso. Multipersona, também. E o projeto "Mulheres", da minha amada amiga Jo (Josielma Ramos), apresentado por mim pela queridíssima Jullie Veiga, é a ilustração perfeita para tais palavras e, principalmente, para o meu poema "Multipersona", que encontrou seu lar ideal, depois de passear pela bela voz de Mariana Guedes, no show "Desconstruindo Amélia". Multipersona fez casa na Antologia da Sororidade. Uma antologia poética que abraça Mulheres de diversos cantos do Brasil, de sortidas culturas, variados credos, dos mais distintos ofícios... com um grande sonho em comum: o de serem muita mais que voz, de serem ECO. Com esse eco reencontrei e reconheci várias irmãs, a "entrevistadoramiga" que me faz essas perguntas inclusive. Que benção, Aldi!


7- De todos os poemas que escreveu, qual o seu preferido e por quê?

Pergunta difícil (risos). Não tenho um único poema autoral preferido. Assim como o gênio da lâmpada permite ao Aladdim três desejos, peço que você, Aldi, me conceda a honra de eleger os meus três preferidos, que são: Pele d'Alma, Multipersona e Filósofa de Rua - todos publicados na Antologia Mulheres. Como já abordei sobre os dois primeiros nos tópicos anteriores, resta a mim trazer à tona o motivo da minha paixão por "Filósofa de Rua". Razão muito simples: *Filósofa de Rua* é a minha cara! Tem uma história nua e crua, tem. Devaneios também tem. Tem um pouco de coração machucado e um tanto cicatrizado (ainda bem). Tem amor que virou poema. Tem poema que virou amor. Tem reflexão ultra profunda. Tem uma esquina com lua cheia. Tem a vontade de sair só e a de estar junto.Tem composição de *marquise*. Tem pedra e tem flor. Tem grito e sussuro.Tem influência da canção de Lenine. De livro de Bernard Shaw. De filme de Audrey Hepburn. Do caleidoscópio de Clarice. Filósofa de Rua é coisa de "louca" - no melhor sentido, coisa de Carol, coisa minha. Cenas de cinema todas juntas e misturadas com o cotidiano nosso de cada dia. Posso afirmar que "Filósofa de Rua" mescla um cenário preto e branco com fundo colorido. No início, ofusca a vista, mas depois faz enxergar melhor.

8- Já pensou em algum momento em publicar um livro solo?

Já pensei em publicar um livro-sonho-solo. É um ousado sonho, mas desde sempre pensei nisso em parir esse filho de uma mãe única. Só não sabia por onde começar, as várias antologias das quais participei creio eu que me deram um norte de por onde começar, me transmitiram mais segurança nesse sentido de me sentir capaz de inaugurar meu canto solo no palco da escrita. Anseio, cheia de esperança, o meu kairós (tempo propício) para essa feliz acontecência. Estou no cultivo. Plantando, regando, zelando. Quem sabe, em breve, a palavra amadurece e cai do pé. Enquanto isso, tenho até sugestões de nomes para esse meu filho na cabeça e aproveito a gestação.

9- Conte um pouco sobre o seu projeto Escrita criativa e curativa.

A minha intenção com o Projeto da Escrita Criativa e Curativa é mostrar às pessoas que tanto a escrita quanto qualquer outro conhecimento que desejamos aperfeiçoar pode ser transmitido de forma estética e lúdica: sem as famosas "decorebas" que aprendemos na escola, sem excessos de conceitos que apenas deixa nosso discurso maçante e nada prático. Esta Oficina foi planejada, em cada detalhe, com a finalidade de ACORDAR escritores adormecidos. Com água gelada? Com barulho de liquidificador? Com a furadeira do vizinho? Com certeza não (risos), porque acordar “no susto” nem de longe considero que seja uma das experiências mais agradáveis da vida. Procuro acordar meus alunos “de leves”, “de dentro para fora” e gradativamente – cada um no seu "kairós", no seu tempo - para que eles se permitam sentir cada pontinha de superação deles (e somente deles) invadindo seus corações, suas vidas, seus trabalhos e seus relacionamentos.

10- Deixe uma mensagem inspiradora para as amigas que escrevem, mas, ainda não tiveram coragem de divulgar seus textos ao mundo.

Que a escrita garanta a cada uma de nós mais poesia no olhar para encarar o dia a dia, ainda mesmo quando ele venha a pesar nos ombros. Que a escrita nos permita criar e recriar os roteiros de nossas vidas quantas vezes for necessário e sempre que quisermos virar a mesa, chutar o balde, dançar-com-alegria-macarena e respirar novas perspectivas. Que a escrita, além de criatividade, nos traga paz, vindo a ser a terapia da palavra diária, a qual nos permite fazer uma viagem rumo ao interior de nós mesmas. Que nos dá ensejo à contemplação desse universo de infinitas possibilidades. Que a escrita nos faça, no mínimo, arrepiar a sobrancelha! (Agradeço ao Caetano, amigo que me apresentou essa frase da cantora Lecy Brandão, faço minhas as palavras dela). Vamos tratar de arrepiar, portanto, corpo, alma e as sobrancelhas! Papel, caneta, AÇÃO.

Algumas Coisas 

"Algumas coisas me parecem tão surreais
Cenas que decidiram meu roteiro
E não voltam atrás...
Algumas coisas me parecem 
Pela metade, nada inteiro
Que já não me parecem mais."


Obrigada, Carol, por esse bate papo incrível! Desejo muito sucesso em sua carreira.

Aldirene Máximo 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Balbúrdias Femininas

Feliz Aniversário