A Vó (z) do Amor




Minha avó materna era muito talentosa. "Prendada", diriam alguns. Analfabeta, não conhecia as letras. Porém, era PHD em lições de vida. Tinha resposta para todas as dores da família. Mulher sábia, experiente e bem vivida. Carregava em sua alma, preciosos tesouros, herdados por Deus. 

Há quinze anos, nos deixou. E que grande perda! Antes de partir, me abençoou. E disse que se inspirava em mim. 

Como assim? A sábia da família era ela e não eu. 

Não sabia ler e nem escrever. Também não permitiu que eu a ensinasse. Porém, seus olhos brilhavam quando me via com papel e caneta nas mãos. Até mesmo, com a máquina de escrever. 

Não usava batom e nem maquiagem. Preferia sua beleza natural. Olhos brilhantes, que traduziam os mistérios do luar. Lábios que profetizavam qual o melhor caminho que deveríamos seguir. 

Corajosa, não levava desaforo para casa e dizia grandes verdades apenas com o olhar. Amava cremes e perfumes. De mim, tinha ciúmes. E sempre que me levava para passear, mesmo eu já estando crescida, andava de mãos dadas comigo. Sou sua única neta. Por isso, a escolhida para guardar seus segredos e também continuar o seu legado. 

Teve muitos namorados. Ficou viúva 4 vezes e antes de morrer, dizia que ainda tinha vontade de dar umas bitoquinhas em um certo alguém. Sim, ela deu. Rsrs. 

Quando ia nos visitar, fazia bolinhos de chuva. Meus irmãos curtiam. Eu curtia mais. Pois tinha o privilégio de ficar em sua companhia, nesses deliciosos momentos, deixando os bolinhos mais açucarados, com o toque de nossa amizade.

E se chovesse, era uma imensa festa! Ela não voltaria para casa naquele dia e dormiria conosco naquela noite, podendo assim, contar suas histórias de menina.

Embora sempre dissesse que criança não podia ficar no meio da conversa dos adultos, eu queria ficar perto sim. E pasmem! Era hilário. Eu, uma criança, aconselhava as mulheres maduras, que se reuniam para dialogar / desabafar / trocar experiências.

Não sei como era possível. Mas... acontecia. E ela me olhava profundamente. 

Amava flores, pássaros e canções de amor, assim como eu. Tinha um belo jardim. Infelizmente, não herdei seu talento para cuidar de plantas. Tinha muitos pássaros. E eu prefiro que fiquem soltos, livres, para cantarem onde e quando quiserem. Cantava muito bem. Tinha uma linda voz, de sereia. Acredito que seja por isso que teve muitos pretendentes. Até canto e encanto, porém, quando escrevo. 

No dia de sua partida, Deus nos permitiu uma bela despedida. Sentei em seu colo frágil e a abracei. Disse que a amava. Seu olhar foi profundo e o abraço, recíproco. 

Fiz a sua última refeição. Do jeitinho que ela me pediu. Amava macarrão. 

Comeu e pediu um pouco mais. Disse que estava delicioso e eu, de parabéns! Aprendi a receita da família. 

Horas depois, seu coração não resistiu. Segurou minha mão e a do meu irmão caçula. E pedia a Deus para não ir. Não queria nos deixar. 

Foi para o hospital e partiu. O Amor era muito grande e não conseguiu se despedir. Meu coração chorou. 

Aldirene Máximo 


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